Não precisamos derrotar o outro para sermos vencedores!

De acordo com Marco Ornellas, consultor e psicólogo com especialização em comportamento, o fenômeno da competição não se dá no âmbito biológico, somente no contexto cultural. Em outras palavras, o homem é um ser que coopera em sua essência. "Na minha visão, as pessoas entendem e praticam a cooperação dentro de uma cultura patriarcal, que valoriza a competição e nega a cooperação. Isso significa que competimos ou cooperamos como uma escolha ou uma alternativa de ação. É como escolher algo que esta fora de nós para realizarmos e justificarmos nossas ações", assinala Ornellas, ao enfatizar que a cooperação precisa ser estimulada, disseminada e muito praticada dentro das organizações.
Marco Ornellas é um dos palestrantes da 3ª Jornada Virtual de Liderança - evento promovido pelo RH.com.br que acontece no período de 09 a 24 de outubro de 20014. Na oportunidade, o consultor ministrará a palestra em vídeo "Os Desafios da Liderança e da Gestão" Confira a entrevista na íntegra e veja quais os benefícios que a cooperação possibilita às empresas e, consequentemente, aos talentos organizacionais. Boa leitura!
RH.com.br - Como as pessoas percebem o sentido de cooperação, no ambiente organizacional?
Marco Ornellas - Antes de qualquer coisa, é importante conceituarmos de que lugar vamos discutir e falar de cooperação e competição. Nos últimos tempos tenho seguido e compartilhado os estudos de Humberto Maturana. Em meu mestrado em Biologia Cultural resignifiquei vários conceitos, dentre eles, o de cooperação e o de competição. Para Humberto Maturana a cooperação está na constituição do humano. O fenômeno da competição não se dá no âmbito biológico, somente no contexto cultural. Em outras palavras, somos seres que cooperam em sua essência. A cultura patriarcal vigente nos dias de hoje valoriza a competição e nega a colaboração. A competição implica em ganhadores e perdedores. Na competição tem um ganhador e outro que fracassa diante de nós. É desse lugar que quero falar sobre a cooperação - nas nossas organizações. Na minha visão, as pessoas entendem e praticam a cooperação dentro de uma cultura patriarcal, que valoriza a competição e nega a cooperação. Isso significa que competimos ou cooperamos como uma escolha ou uma alternativa de ação. É como escolher algo que esta fora de nós para realizarmos e justificarmos nossas ações. É fato que a cultura e o modelo de gestão não valorizam nada muito diferente. A competição ainda é a palavra de ordem das relações comerciais, dos modelos de negócios, e se constitui na base dos valores de muitas das nossas organizações, nesse sentido a pergunta é: "Como fazer diferente se o contexto nos empurra e espera comportamentos competitivos - ganhadores e perdedores?".
RH - A cooperação tem sido mais observada em determinados níveis hierárquicos ou surge em qualquer espaço da empresa?
Marco Ornellas - A cooperação assim como a competição está presente em toda a organização, não é opção ou comportamento de um ou outro nível hierárquico. Diferentes empresas podem, por vezes, criar nichos de cooperação, em algumas pode ser nos níveis operacionais, da produção ou técnicos. Em outras nos níveis gerenciais. A questão da cooperação ou da competição não se explica pelo nível hierárquico. É evidente que está na liderança o modelo e a disseminação de valores. Nesse sentido, por essência os níveis mais altos deveriam ser mais cooperativos, adotarem práticas mais colaborativas interna ou externamente, servindo assim de modelo, referência e direção de ação. É o mesmo que dizer, como educar uma criança para ser cooperativa e colaboradora se ela observa e encontra nos pais modelos competitivos - relações de ganha e perde. Sem sair do foco, podemos assistir exatamente isso, nos discursos, propagandas e programas eleitorais. Percebem-se mais tentativas de desqualificar o outro, de submeter o outro do que expor as próprias ideias. O meu ganho está na sua perda.
RH - Levando-se em consideração que a cooperação é fator relevante tanto para a empresa como também para os colaboradores, o ato de colaborar com os pares tem se manifestado com muita constância ou ainda precisa ser estimulado?
Marco Ornellas - A cooperação tem que ser estimulada, disseminada e muito praticada dentro das nossas organizações. No entanto, uma mudança do eixo cooperação - competição deve passar por outras mudanças mais estruturais. Não conseguiremos mais cooperação se o posicionamento de nossas empresas ainda valorizar a competição. Você já pensou no tamanho da dicotomia que temos que conviver, por exemplo - competir com o concorrente de forma assertiva e até agressiva e ter que cooperar com o colega de trabalho do lado? Cooperarmos com o nosso superior na busca de um melhor resultado para a área e nos relacionarmos de forma competitiva e pouco parceira com profissionais de outra área dentro da mesma empresa? Desculpe, mas é muita dicotomia, contradição. O nosso cérebro depois de um tempo não consegue mais discriminar quando devemos cooperar ou competir. Não me parece que a questão esteja na escolha deste ou daquele comportamento e sim do modelo mental. Na atividade de consultor o que mais tenho visto é competição dentro das empresas. Diretores que competem, áreas que competem, colegas que competem. A competição está instalada. Estou falando de competição no contexto de ganhadores e perdedores. Pense nisso! Ou criamos um modelo de gestão que valoriza a cooperação em todas as direções e os contextos ou nunca iremos, de fato, valorizar e mudar uma cultura. Cooperar, em minha opinião, é como confiança, ou se tem ou não se tem. Não existe meia confiança, como não existe meia cooperação.
RH - Em um ambiente em que a cooperação tornou-se uma rotina, podemos afirmar que essa já faz parte do DNA da cultura organizacional?
Marco Ornellas - Em minha opinião sim. Quanto mais praticamos e tornamos a cooperação uma rotina, um modo de pensar, sentir e agir, mais nos voltamos para nossa essência de seres humanos. Uma cultura colaborativa e cooperativa revela-se em todos os atos no dia a dia. Você já parou para pensar na produtividade, na criatividade, na qualidade de vida e de saúde física e emocional que um ambiente cooperativo e colaborativo traz? Não é mais possível imaginar inovação, criatividade, bem-estar, produtividade em ambientes com ausência de confiança e onde, o tempo todo, uns estão tentando ganhar sobre outros.
RH - O excesso de cooperação pode levar alguns profissionais à zona de conforto?
Marco Ornellas - Não. Cooperação e zona de conforto são conceitos diferentes e não relacionados. Cooperamos porque temos confiança em nós próprios e no outro. Confiamos porque acreditamos que o meu sucesso e a minha realização não precisam implicar necessariamente na derrota do outro. O modelo cooperativo tem como premissa eu ganho e você ganha. Será que não conseguimos pensar um modelo cooperativo nas relações comerciais? Nas relações internas? Nas relações sociais? Sim, acredito que sim. Já temos muitos sinais e evidências comprovadas de resultado e da efetividade desse modelo dentro das organizações.
RH - Até que ponto a cooperação deve ir? Existe um ponto limite?
Marco Ornellas - Essa é uma pergunta feita a partir da cultura patriarcal. Para uma cultura que nega a cooperação é fácil imaginar a prática da cooperação com limites e, muitas vezes, é percebida como um desvio ou mesmo um comportamento desejável apenas em um ou outro contexto. Eu entendo essa pergunta dessa forma: vivemos num mundo competitivo e colaboramos com algumas situações que nos parecem ser mais oportunas ou necessárias, quando na verdade é o contrário. Temos uma natureza cooperativa, não precisamos destruir o outro para vencermos. A cultura patriarcal se apropria; tem uma atitude exploradora e extrativista para com a terra e a natureza; a desconfiança é vista como um a priori nos relacionamentos interpessoais; desejo de domínio; a guerra e a competição predatória são encaradas como virtudes e modos naturais de sobrevivência. A complexidade, a conectividade e a heterogeneidade do mundo que vivemos requer mais participação; uma relação de convívio sustentável com a natureza; onde a confiança seja vista como a priori nos relacionamentos interpessoais; as relações de todo tipo sejam baseadas no modelo amizade-cooperação-companheirismo-consenso.
RH - Se por um lado encontramos a cooperação no ambiente de trabalho, por outro nos deparamos com a competição no dia a dia das empresas. Se bem dosada, ela também se torna benéfica às organizações. O senhor concorda?
Marco Ornellas - Do lugar que eu trago a discussão de cooperação, não é possível concordar com essa afirmação. Podemos e já provamos que conseguimos manter relações cooperativas e colaborativas dentro das organizações e nas interações das nossas empresas com o ambiente, o mercado. A questão não é dosar a competição ou a cooperação, como uma escolha de uma roupa que eu uso em um dia de frio ou de calor. A escolha da cooperação ou da competição não está fora de nós, está dentro de cada um. Nossa essência é a da cooperação, do convívio, da amizade, do companheirismo e do consenso. Não precisamos derrotar o outro para sermos vencedores. Podemos vencer, crescer, expandir, avançar, criar, produzir sem que o outro e a natureza tenham que perder. O modelo não deve ser o de apropriação e sim o de colaboração e convívio.
RH - Em que momento a competição entre os profissionais demonstra sinais claro de negatividade?
Marco Ornellas - Novamente é importante destacar, do lugar que estamos discutindo e conversando, sempre a competição será negativa, visto que a premissa é competição sempre implica em ganhadores e perdedores. Os sinais que o líder deve observar, acompanhar e investigar podem ser respostas a algumas dessas questões: "Sua equipe colabora, constrói junto e apresenta resultados superiores?"; "Os resultados da sua equipe são resultados com a participação de todos?"; "Há perdedores ou sentimento de perda no ambiente?"; "As pessoas confiam umas nas outras?"; "As relações são saudáveis, abertas e colaborativas?"; "As relações da sua equipe com outras equipes e com o mundo externo são saudáveis e colaborativas?";
"Há um sentimento de pertencimento?".
RH - Em sua opinião, quais os recursos mais eficazes para que os líderes acompanhem os "níveis" de cooperação e de competição entre suas equipes e, dessa forma, assegurem um clima organizacional saudável?
Marco Ornellas - Acredito que os líderes focam o mundo externo, analisam o cenário, inventam o futuro e esboçam caminhos para concretizá-los. Não falam e desejam, simplesmente fazem acontecer. Líderes criam visões de futuro e inspiram a nos movimentarmos nessa direção com confiança e convicção. Dessa forma o recurso mais eficaz para um líder aumentar os níveis de cooperação e diminuir a competição no ambiente organizacional é: praticar sua essência como ser humano e sua essência como um educador, líder e coach que é.
Nenhum comentário:
Postar um comentário